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Castanheira de Pera, Portugal
"O Meio-termo é a virtude dos mentecaptos lobrigando a sua incapacidade de tocar o excelso".

terça-feira, 17 de agosto de 2010

UM CONTRACTO EXECRÁVEL

Quando chegava ao meu conhecimento a iminente separação dum casal amigo de meia-idade ficava perplexa, tinha dificuldade em entender que duas pessoas ao fim de vinte, trinta ou mais anos de viverem em comum, encontravam motivos para se separarem, o que equivalia a uma alteração drástica nas suas vidas. Alguns já com netos adultos.
E o mais absurdo é que a maioria desses casais usufruíam dum aparente conforto financeiro, aconchegados a bens que foram acumulando ao longo da existência, produto de muito trabalho e sacrifício e de quem nunca testemunhei qualquer atrito que pressagiasse uma rotura. Cheguei a pensar muita vez que se tratava de maledicência alheia.
Mas a confirmação vinha depois, com a efectiva separação judicial.
Confesso, que sempre achei que nada justificava tamanho esforço, a não ser, quando via assumida outra relação já existente.
Assim sendo até compreendia, porque em qualquer altura da vida as pessoas têm direito de ir ao encontro daquilo que julgam ser a felicidade.
Todos são perdedores neste processo, até mesmo aqueles que nada têm a ver com o assunto, mas que convivem com o casal desavindo.
Estes laços que se desfazem, para além de nos provocarem instabilidade emocional, provocam inúmeras situações de desconforto e sensações de desânimo e perda.
Significa um abalo no nosso mundo dos afectos.
Mas há casais que sem razão aparente persistiam na dissolução do seu matrimónio, e isso sempre me confundiu.
Separam-se e pronto. Depois de partilharem anos a fio, alegrias, tristezas, cama e roupa lavada, conhecendo-se por dentro e por fora, sabendo de cor todas as suas diferenças, defeitos e fragilidades, não era suposto, contarem-nos um final feliz?
Final feliz (entenda-se), nesta história nunca há finais felizes.
Sinceramente nunca entendi… até ao dia em que acordei, e reparei que andava a dormir com um estranho.
A mais pura das verdades!
O homem que agora dorme comigo na cama, (ressona que nem uma locomotiva) não é o mesmo que há anos atrás, escolhi para marido.
Juro-vos que não!
O homem com quem casei era uma pessoa bonita, alegre, não mal-humorada como esta, com alguns assanhamentos. A minha esperança é que num desses ataques de fúria tombe para o lado, esticado de vez.
O outro escutava-me, dava-me atenção. Este passa a vida a dizer que não tem tempo, ou então finge que me ouve, abanando a cabeça como me comesse por parva!
O outro era afectuoso, fazia-me agrados. Na opinião deste, faço tudo mal, sou uma calamidade. Ele mija fora da sanita e toma os comprimidos errados, (risos) espero que um dia destes troque o da azia pelo do coração.
O outro dizia-me constantemente que era bonita. Este, não se cansa de me chamar a atenção, que estou cada vez gorda e velha, grande novidade! Não se deve olhar ao espelho, nem olha para baixo que a barriga não deixa.
O outro, quando me via doente ficava preocupado. Este dorme noutro quarto, diz que é para não me (se) incomodar.
O outro, quando eu realizava algo interessante, gabava-me. Este nem repara, ou então desculpa-se com as cataratas.
O outro, quando eu estragava alguma coisa por descuido, encolhia os ombros. Este não se cala com recriminações. Esquece-se das vezes que esmigalha as lâmpadas de tanto as apertar ou quando fica com a pega a arder quando retira a cafeteira do lume, ou quando o apanho a limpar os sapatos com a toalha de mesa que ele teima em chamar de “pano”.
O outro gostava de me ver com o cabelo arranjado, este diz que não vale a pena, porque só resultava se mudasse de cara.
O outro convidava-me alegremente para beber um café, este diz que nem cem cafés me excitariam.
A dada altura, percebi que apesar de estarmos 24h juntos, não chegamos a ter no total, dez minutos de diálogo. Diálogo a sério.
O que mais me custa são os longos silêncios ensurdecedores no meu canto, em que fico a ruminar esta estranha forma de viver com um desconhecido a tiracolo.
No entanto, aparentemente damo-nos bem. Não existem brigas, não lançamos punhais um ao outro. Ainda que haja alturas que me apeteça envenenar-lhe a comida ou empurra-lo pelas escadas a baixo, ou até dar-lhe uma martelada na cabeça quando está a dormir.
Mas penso que apesar da investigação criminal em Portugal estar muito à quem da dos Estados Unidos, os polícias gostam muito de ver o C.S.I. e com a mania de apresentarem serviço ainda acabariam por descobrir pele debaixo das unhas, ou impressões digitais minhas no pescoço dele.
Já pensei em todas as maneiras de me ver livre dele de forma segura. Só tenho uma, esperar que o tempo arrume com ele.
Pois é… não me recordo da rescisão do antigo contracto, e muito menos de ter assinado este outro, tão execrável.
O meu bem-haja, a todos os que tiveram coragem para romper a barreira da indecisão, da dubiedade e do preconceito, dando um tiro no inimigo.


K.B

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