Na
zona de Loures, plantada à beira da estrada, a bela moradia de dois pisos
tentava resistir à degradação do tempo. Desbotada e encapelada a tinta, caía
aos pedaços. O friso de azulejos sob o beiral perdera a sequência, e a escada
lateral apresentava brechas nos quais enraizara, musgo e ervas daninhas.
No
final do ano passado descobri que a casa tinha sido restaurada. Estava magnífica,
pintada no tradicional rosa velho. As cortinas de linho com renda nas janelas,
significava que tinha novos donos. Não resisti a atravessar a rua para a ver de
perto e inesperadamente, dei por mim a meio da escada de pedra, sem saber o que
dizer à senhora de meia-idade que de cima, olhava-me circunspecta.
—
Desculpe, mas esta casa… esteve quase meio século abandonada…
A
senhora, simpática e tagarela, revelou que a comprara num leilão a um preço
muito abaixo do seu valor real, e de seguida convidou-me a entrar.
—
Tinha fama de ser amaldiçoada devido às três mortes misteriosas que aconteceram
cá. A primeira dona caiu da escada de ferro que dá para as traseiras.
Solarenga
a casa, resplandecia com novas graças. Mas nela sussurravam passos, gargalhadas,
choros, traições, violência...
—
Dizem que o marido tinha uma amante, e que ela desgostosa, suicidou-se.
«—
Essa mulher é um veneno que vai destruir a nossa vida!
O
homem amarrado ao desejo deve ter pensado: Se é veneno, que eu morra em êxtase
ao toque da sua pele, libando o sublime néctar da fonte maléfica.
Era
do conhecimento geral, que a amásia dele servia três vícios: Homens, dinheiro e
tabaco. Um violão de perna grossa, sorriso atrevido e olhar de cobra. Era assim
que ele a descrevia aos amigos que o escutavam enlevados, entre tragos de vinho
e piadas obscenas.»
Ao
entrarmos na cozinha, um subtil cheiro a bolo quente, ainda que nada houvesse. De
laranja, feito pela senhora que nos tirava da rua, para o comer.
—
Eles não tinham filhos, mas ao que parece, ela gostava muito de crianças.
Em
frente a porta de acesso ao local da tragédia.
— Foi daqui que a pobre mulher caiu. Deve ter
escorregado. Mas há quem invente que ele é que a empurrou. Suicídio ou crime?
Não houve testemunhas!
«—
Estás louco? Nunca te darei o divórcio para te juntares a essa vagabunda, a
menos que eu morra!»
—
Então morre, porque eu vou viver com ela!
—
A bruxa não desfez o feitiço que ela te botou, mas eu fiz um pacto com o Diabo.
Se preciso for, darei a vida para que ambos ardam no inferno!
No
auge da exaltação, a luta dos corpos. Ele ameaçando-a de morte e ela a jurar
vingança. O encontrão que a atirou contra a porta que dava para a escada de
ferro. A porta estava só encostada. Depois, o estrondo da queda e a vibração do
ferro a ceder à passagem do corpo pesado. O uivo do cão num lamento assustador.
A
culpa foi da porta que gemeu, e o olhar dele a cruzar-se com o meu, entre a
surpresa e pânico. Mas, os medos afogaram-se no silêncio.»
Um
grito escapou-se-me da garganta.
—
Não tenha medo! Esta escada em cimento é segura. A outra vibrava muito à nossa
passagem. O homem acabou por casar com a tal amante, mas não foi feliz. A
segunda mulher para além de gostar de fazer coisa nenhuma, era de índole
duvidosa e uma alcoólica A vida dele desmoronou-se num ápice. Pôs termo à vida
com um frasco de veneno, e ela…Olhe, ela fez-se esqueleto na própria casa! Mas,
tragédias acontecem em qualquer lugar!
Agradeci-lhe
a gentileza e parti, com a certeza de que, jamais voltaria àquele passado.
Maria
de Fátima Gouveia