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Castanheira de Pera, Portugal
"O Meio-termo é a virtude dos mentecaptos lobrigando a sua incapacidade de tocar o excelso".

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

A CASA DOS MEDOS

Na zona de Loures, plantada à beira da estrada, a bela moradia de dois pisos tentava resistir à degradação do tempo. Desbotada e encapelada a tinta, caía aos pedaços. O friso de azulejos sob o beiral perdera a sequência, e a escada lateral apresentava brechas nos quais enraizara, musgo e ervas daninhas.
No final do ano passado descobri que a casa tinha sido restaurada. Estava magnífica, pintada no tradicional rosa velho. As cortinas de linho com renda nas janelas, significava que tinha novos donos. Não resisti a atravessar a rua para a ver de perto e inesperadamente, dei por mim a meio da escada de pedra, sem saber o que dizer à senhora de meia-idade que de cima, olhava-me circunspecta.
— Desculpe, mas esta casa… esteve quase meio século abandonada…
A senhora, simpática e tagarela, revelou que a comprara num leilão a um preço muito abaixo do seu valor real, e de seguida convidou-me a entrar.
— Tinha fama de ser amaldiçoada devido às três mortes misteriosas que aconteceram cá. A primeira dona caiu da escada de ferro que dá para as traseiras.   
Solarenga a casa, resplandecia com novas graças. Mas nela sussurravam passos, gargalhadas, choros, traições, violência...
— Dizem que o marido tinha uma amante, e que ela desgostosa, suicidou-se.
«— Essa mulher é um veneno que vai destruir a nossa vida!
O homem amarrado ao desejo deve ter pensado: Se é veneno, que eu morra em êxtase ao toque da sua pele, libando o sublime néctar da fonte maléfica.
Era do conhecimento geral, que a amásia dele servia três vícios: Homens, dinheiro e tabaco. Um violão de perna grossa, sorriso atrevido e olhar de cobra. Era assim que ele a descrevia aos amigos que o escutavam enlevados, entre tragos de vinho e piadas obscenas.»
Ao entrarmos na cozinha, um subtil cheiro a bolo quente, ainda que nada houvesse. De laranja, feito pela senhora que nos tirava da rua, para o comer.
— Eles não tinham filhos, mas ao que parece, ela gostava muito de crianças.
Em frente a porta de acesso ao local da tragédia.
— Foi daqui que a pobre mulher caiu. Deve ter escorregado. Mas há quem invente que ele é que a empurrou. Suicídio ou crime? Não houve testemunhas!
«— Estás louco? Nunca te darei o divórcio para te juntares a essa vagabunda, a menos que eu morra!»
— Então morre, porque eu vou viver com ela!
— A bruxa não desfez o feitiço que ela te botou, mas eu fiz um pacto com o Diabo. Se preciso for, darei a vida para que ambos ardam no inferno!   
No auge da exaltação, a luta dos corpos. Ele ameaçando-a de morte e ela a jurar vingança. O encontrão que a atirou contra a porta que dava para a escada de ferro. A porta estava só encostada. Depois, o estrondo da queda e a vibração do ferro a ceder à passagem do corpo pesado. O uivo do cão num lamento assustador.
A culpa foi da porta que gemeu, e o olhar dele a cruzar-se com o meu, entre a surpresa e pânico. Mas, os medos afogaram-se no silêncio.»
Um grito escapou-se-me da garganta.
— Não tenha medo! Esta escada em cimento é segura. A outra vibrava muito à nossa passagem. O homem acabou por casar com a tal amante, mas não foi feliz. A segunda mulher para além de gostar de fazer coisa nenhuma, era de índole duvidosa e uma alcoólica A vida dele desmoronou-se num ápice. Pôs termo à vida com um frasco de veneno, e ela…Olhe, ela fez-se esqueleto na própria casa! Mas, tragédias acontecem em qualquer lugar!   
Agradeci-lhe a gentileza e parti, com a certeza de que, jamais voltaria àquele passado.
 
Maria de Fátima Gouveia