A IDADE MAIOR
Há cerca de cinquenta anos atrás, tinha eu
catorze, surgiu na minha escola uma psicóloga para fazer uns testes aos alunos,
que cuja finalidade nunca descobrimos. A escolha era aleatória e para minha
inocente alegria calhei na rifa.
Após um curto diálogo, a psicóloga passou-me
para a mão um papel e um lápis e mandou-me desenhar num papel, uma casa com um
jardim que incluísse árvores.
Eu desenhei uma casa simples, com uma porta e
duas janelas que enfeitei com cortinas e nos respetivos parapeitos coloquei vasos
com flores. À volta da casa criei um jardim no qual plantei laranjeiras de
baixo porte, mas prenhas de fruta. Depois, desenhei o sol, as nuvens e os pássaros.
A psicóloga observou o desenho por uns
segundos e disse, com uma indiferença que me chocou de que eu era uma garota
pouco ambiciosa e que não me esforçava para alcançar os objetivos.
Naquela época eu acreditava nos adultos para mais,
letrados. Julgava que estes sabiam tudo, não mentiam, não enganavam, nem se
enganavam, razões que me levaram a sentir-me derrotada. A afirmação dela soou-me
a futuro fracassado.
Pedi-lhe humildemente que me explicasse de
que forma um singelo desenho podia predestinar as minhas
potencialidades, ou a ausência delas.
A psicóloga disse que uma pequena casa
representava uns desejos modestos e a altura das árvores relativamente à casa:
o tamanho da ambição. A explicação foi arrasadora. Este, seria um daqueles casos
para esquecer, mas não foi esquecido.
O tempo passou num ápice, por isso se diz que
ele “voa”, hoje estou na Idade Maior,
a idade das limitações crescentes. Embora haja para aí super idosos a querem-me convencer do contrário.
O lado positivo da questão é que me colocou
na confortável situação de poder assumir sem pruridos o que sou, e como sou. Formada
pelos trilhos da vida, consciente de que sei muita coisa, e quase nada.
Já não faço fretes porque os sapos tornaram-se
muito rijos para os meus dentes e tenho um amigo chamado Alzheimer que vai e
vem, conforme me convém.
A minha lista das amizades encurtou, porque
aconselhei algumas a viajarem para o país do “Vai e não voltes”. Outras, vivem dentro de mim.
Mas não julguem que por estar na Idade Maior não saboreio a vida. Podem crer que até me embriago, mas muito à minha maneira.
Ontem, não sei por que razão me veio à ideia
a história da psicóloga que passou por aquela escola a traçar perfis
psicológicos aos alunos. Pena, não poder hoje dizer-lhe que no meu caso, errou ou
só acertou pela metade. ´
Continuo a gostar de casas pequenas. Há
casas pequenas que envolvem-nos num aconchegante abraço ao ponto de termos
dificuldade em sair delas. Numa casa grande eu sinto-me desconfortável, a menos
que esta seja minha e eu recrie em qualquer compartimento, a minha “casa pequena”.
Há sentimentos que transcendem o sentido das
palavras.
Quanto a eu ser pouco ambiciosa, não é
verdade, mas nunca sofri de uma ambição perniciosa ou fantasista.
Os meus sonhos eram concretizáveis e lutei
por eles, aproveitando as oportunidades que me foram surgindo, sem nunca ser
oportunista.
Uma ambição desmedida provoca estragos ou não
nos leva a lado nenhum.
Eu nasci pobre, conforme relatei no livro “Raízes do Pecado”, mas tive sonhos que jamais
julguei que pudessem realizar-se, mas realizaram-se.
Claro que, algumas coisas fugiram-me da mão
porque a vida atraiçoa, mas o resultado obtido, superou as expectativas.
Esgotados os sonhos, agora anseio por algo
modesto ou talvez não. Desejar a saúde e a paz, não é ser modesto. São os bens mais preciosos de uma vida.
Mas a vida é feita de sonhos e sem eles ela perde
o encanto. Para os sonhos se realizarem, temos de acreditar
nas nossas potencialidades e caminharmos na direção certa.
Tudo está ao alcance da nossa mão, o
segredo é acreditar.
Um dia, houve alguém que me perguntou: certo,
e se eu desejar a lua?
Respondi: Numa noite de luar ergue a mão na direção
da lua, e faz a magia acontecer.
A vida pode ser mágica, inclusive na Idade Maior, no entanto, nada nos
preencherá a alma se não soubermos ser felizes.
Maria de Fátima Gouveia
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