MARIA JACINTA
Maria Jacinta era o seu nome,
acrescido de um apelido que não se encaixava na sua carnadura redonda e
compacta: Fino.
Maria Jacinta Fino pisava diariamente
o mundo da lua. Seus olhos, pequenos berlindes negros e reluzentes, vidravam
quando se punha a sonhar com o fogoso príncipe que um dia viria salvá-la das
infindáveis pilhas de louça a que estava condenada a lavar, na cozinha da tasca
da dona Custódia.
Um nicho pavimentado a mármore polido,
onde qualquer pingo de água, fazia com que Maria Jacinta batesse com os
costados no chão.
Maria Jacinta, abominava lavar pratos.
Aquele trabalho não combinava com um espírito apinhado de delicadezas, como o
dela. O que ela gostava, mesmo, era de comer e dançar. Tudo o resto, era uma
canseira.
Maria Jacinta era obesa, havia quem
dissesse que ela pesava uma tonelada, um exagero. A rapariga tinha pouco mais
de cem quilos. E era quase bonita, caso não tivesse os dois dentes da frente
partidos, e uma verruga, mesmo na ponta do seu nariz grosso.
O buço era coisa insignificante, não
chegava a bigode. Para rematar; uma voz fina e doce como o melaço.
Mas, desgraçadamente, Maria Jacinta não
tinha quem a quisesse, a não ser o Gracindo Perneta. Um pau de virar tripas, zarolho
e ainda por cima coxo que se perdera de amores por ela.
— Desce à terra, Maria Jacinta — dizia
a irmã, que era o oposto dela. Desengonçada e magra como um galgo de corrida. —
Quem mais te irá querer, senão o tonto do Perneta? Pode não ser bonito, mas possui
um tecto, rebanhos de cabras e terras a perderem-se de vista e mulher no cemitério.
— O meu príncipe há-de chegar — dizia
Jacinta rebolando os olhos pelo sonho.
De imediato estalava uma risota geral
no tasco. Por entre as gargalhadas, alguém gritava: «Maria Jacinta, pareces um
barril com pernas, o melhor, é esperares por um tanoeiro!»
E o tanoeiro chegou, com a encomenda
da dona Custódia. Três barris trazidos por dois homens, Um gordo e um magro. O
magro era o Toino Carago, que toda a gente conhecia naquela região. O gordo, o
tanoeiro, era de outras paragens.
— Remberto Duque, um amigo ao dispor.
— Disse ele, estendendo a mão sapuda à dona Custódia, que nem soube o que fazer
com ela.
«Duque?!»
Aquela palavra soou como uma martelada
na mona de Maria Jacinta, que logo se encantou da tal figura, tão bem acolchoada
de carnes como de boas fazendas. Um dente de ouro e um sorriso nas ventas.
Maria Jacinta pensou: «Na falta de um
príncipe, um duque vem mesmo a calhar. Solteira, não vou ficar!»
Saiu lampeira da cozinha com uma
travessa de moelas na mão, ia tão agitada que trocou as pernas e estatelou-se ao
comprido no chão.
Soou, nova risota geral, enquanto a
pobre coitada, de cara atolada no molho, gemia envergonhada.
O duque apressou-se a ajuda-la a levantar-se,
enquanto sussurra, enlevado:
— Dama tão bela e delicada, não é para
ser criada. Se casares comigo, serás duquesa na terra da abastança. Não te
faltará mesa farta, nem dança.
Maria Jacinta, ainda mal refeita do
tropeção, correu à cozinha e numa euforia louca desatou a partir a louça,
enquanto gritava:
— Acabou! Não vou mais lavar pratos!
Vou casar! Vou casar!
De olhos esbugalhados, fixos no
infinito, Maria Jacinta mergulhava as mãos sapudas na água e atirava os pratos
para o chão. Uns atrás dos outros... Zás Pás, Zás Pás!
— De novo no mundo da lua, Maria
Jacinta? — Berrou a Dona Custódia, enfurecida. — Vou descontar o prejuízo no
teu ordenado!
Maria Jacinta despertou de repente e
olhando ao seu redor assustou-se de ver tanto caco espalhado pelo chão. Do tal
Duque, nem assombração.
Pelo buraco do postigo, Zé Perneta perguntou
com um sorriso matreiro:
— Sonhando comigo, princesa?
MFG..
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